ISSN: 1983-6007 N° da Revista: 11 Maio à Agosto de 2010
 
   
 
   
  Artigo  
   
     
 

A Clínica na Saúde Mental: O Caso Clínico e a Construção de Redes
THE CLINIC IN THE MENTAL HEALTH: CLINICAL CASES IN THE BUILDING OF A NETWORK

 
     
 

Paula Melgaço

 
 

Psicóloga graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-Graduanda em Gestão em Saúde Pública pela Universidade Federal Fluminense. Endereço para Correspondência: Rua Xapuri,450,apt302, Grajaú, Belo Horizonte, MG. CEP: 30431-214
E-mail : paulamelgaco.psi@gmail.com

                               
 
 

Resumo: O presente artigo tem como o objetivo apresentar um caso clínico atendido durante
o estágio de Psicologia no Serviço de Psiquiatria do Hospital das Clínicas-UFMG em Belo Horizonte, buscando salientar a noção de “construção do caso clínico” e o estabelecimento de redes em Saúde Mental. Além disso, este trabalho busca ressaltar a importância do saber construído pelo próprio paciente, o que pode revelar aspectos particulares e únicos de cada caso, norteando a elaboração de intervenções mais eficazes.

Palavras-chave:
Construção de redes; caso clínico; saúde mental.

Abstract:
This article has as objective to present a clinical case treated during the stage of Psychology in Psychiatry Service, Hospital das Clinicas-UFMG in Belo Horizonte, seeking to emphasize the notion of "construction of clinical case" and networking on Mental Health. Furthermore, this work highlights the importance of knowledge built by the patient, which can reveal unique and special aspects of each case, guiding the development of more effective interventions.

Keywords: Construction of networks; clinical case; mental health.

 

1. A Clínica na Saúde Mental: O Caso Clínico e a Construção de Redes.
Não são incomuns, na clínica em Saúde Mental, casos que nos confrontam com os dispositivos tradicionais de tratamento pautados no discurso médico, que se colocam no lugar de saber sobre o paciente e que pouco consideram o que este tem a dizer acerca do seu adoecimento e de sua história. Já nos dizia Viganó que tal postura revela uma: “construção baseada num saber outro que não o do paciente, e que aponta para o manejo institucional.” (VIGANÓ, 1999 apud ANDRADE, 2005).
Por outro lado, a noção de Caso Clínico proposta pelo mesmo autor evidencia o saber que o próprio paciente traz acerca de si mesmo, revelando, dessa forma, a maneira como se relaciona com o Outro e como se dá a organização de suas formas de gozo. Tudo isso, rompe com ações clínicas de alguns serviços de Saúde Mental que se repetem a revelia das particularidades do sujeito, pois há, dessa forma, uma preocupação em escutar o paciente antes mesmo da classificação deste em algum quadro da nosologia psiquiátrica (ALKIMIN, 2003).

Antes de entrar no caso clínico que será discutido, é necessário realizar um breve resgate das origens dessa concepção que prioriza o saber construído pelo próprio paciente, pois ela ilustra modificações epistemológicas introduzidas na pós-modernidade em oposição às idéias emergentes no sec. XVI, introduzidas nas ciências sociais por volta do séc. XVIII.
Com o advento da Revolução Científica do sec. XVI houve uma ruptura com as noções predominantes na Idade Clássica, na Idade Média e no Renascimento que eram fiéis à concepção de que:
{... o empreendimento da vida cotidiana, em meio ao qual vivemos e existimos, não é matemático. Nem mesmo matematizável. Ele é o domínio do movediço, do “mais-ou-menos, do “quase”. (...) Na natureza não existem círculos, elipses ou linhas retas. É ridículo querer medir com exatidão as dimensões de um ser natural (...) existe sempre a margem da imprecisão.} (KOYRÉ, 1991, p.272).
Assim, a concepção do “mais-ou-menos” baseava-se na idéia de que não há verdade absoluta e impassível de questionamentos, visto que a realidade é composta por uma série de variáveis que podem fugir do controle do cientista. Além disso, é necessário ressaltar que esse modo de compreender o mundo valorizava a experiência, ou seja, o “conhecimento espontâneo ou vivido que indivíduo adquiriu ao longo da vida.” (JAPIASSU, 1991, p.96).

Por outro lado, o saber construído pela Revolução Científica fundamentava-se na descoberta de leis universais e absolutas através de experimentos rigorosamente controlados, com o auxílio instrumental e teórico. Esse modelo totalitário, além de desconsiderar os meios de conhecimento que não se ajustavam aos seus princípios e métodos, buscava:
“... provocar, a partir de certas condições bem determinadas, uma observação tal que o seu resultado, que não pode ser assinalado de antemão, seja capaz de fazer conhecer a natureza ou a lei do fenômeno estudado.” (LALANDE, 1999, p.367).

De acordo com SOUSA SANTOS (1988), através de quantificações obtidas através experimentação dentro de parâmetros rígidos e pré-estabelecidos seriam, então, criadas classes e divisões do objeto estudado com o intuito de eliminar tudo o que seria irrelevante, reduzindo, dessa forma, sua complexidade. Tudo isso com o objetivo final de sobrepujar e modificar a realidade.
No que concerne à psiquiatria, pode-se dizer que, em seus primórdios, esta ficava às margens do saber científico (experimental), por lidar com fenômenos pouco exatos e pela dificuldade de mensurá-los. Foi através do discurso médico-experimentação controlada-que essa especialidade alcançou o estatuto de ciência, lançando mão tanto da criação de sistemas classificatórios como de experimentos controlados. Assim, fica a seguinte questão: como, de fato, se dá a influência do discurso médico-científico sobre o discurso psiquiátrico?

A partir da história da psiquiatria e da própria medicina é possível perceber que o avanço dessa área do conhecimento é permeado pela evolução de seus sistemas classificatórios que são essenciais para delimitar as bases conceituais de uma teoria e o foco através do qual determinado objeto de estudo será analisado. Na atualidade estamos vivendo um abandono da clínica, a formação do psiquiatra é eminentemente técnica, o que leva à tentativa de aniquilar a subjetividade e a nosografia psiquiátrica, através da relevância dada aos aspectos sindrômicos e universais das patologias, embasados pelo discurso científico. Tudo isso, devido ao progresso na compreensão e no tratamento (principalmente farmacológico) dos transtornos mentais.
Com o desenvolvimento da farmacologia, de inegável importância para o tratamento das patologias mentais, os profissionais de saúde mental se viram em vias de criar uma linguagem que unificasse a comunicação das doenças mentais, com intuito de facilitar as pesquisas de tratamentos específicos para cada transtorno. Dessa forma, foram elaborados alguns sistemas classificatórios, desenvolvidos com extremo rigor empírico e estatístico, os mais utilizados são a CID X (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde-Décima Edição) e o DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais -Quarta Edição). Aquela criada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e utilizada principalmente na Europa e este criado nos EUA, o que não limita seu respaldo internacional, visto que influencia diversos manuais de psiquiatria em destaque, como Kaplan & Sadock (Compêndio de psiquiatria: ciência do comportamento e psiquiatria clínica, 2007).

Tais sistemas foram criados com o fim de facilitar o processo diagnóstico na psiquiatria, o que, por conseqüência, poderia levar a escolha de um tratamento mais eficiente, além objetivar a comunicação entre os diversos profissionais da área de saúde, ampliando o campo das pesquisas clínicas e farmacológicas. Por último, há benefícios na busca etiológica dos transtornos mentais. Para tanto, o DSM-IV segue alguns critérios que devem ser observados como o próprio manual sugere: “os critérios diagnósticos específicos incluídos no DSM-IV visam a servir como diretrizes que serão moduladas pelo julgamento clínico não devendo ser usados como um “livro de culinária”. (DSM-IV, pg 29). Entre eles estão a primazia pela abordagem descritiva que se preocupa de fato com aqueles aspectos clínicos que ilustram o modo de manifestação de determinado transtorno mental, a particularidade das diretrizes diagnósticas que indicam uma lista a ser preenchida pelo indivíduo para que ele se enquadre em determinada categoria, a descrição sistemática que aborda os mesmos aspectos em todos os quadros nosológicos (idade, cultura e gênero, prevalência, incidência e risco, curso, complicações, fatores de predisposição, padrão familiar, diagnóstico diferencial.) e a possibilidade de lidar com incertezas diagnósticas, já que o manual indica caminhos específicos para classificar situações em que as informações sobre o paciente são insuficientes para enquadrá-lo em alguma classificação.

É necessário evidenciar que até o DSM-III e a CID-9 a topografia psiquiátrica foi fortemente influenciada pela nosologia e pela nosografia de Freud que, por sua vez, elaborou seu sistema classificatório com base na psiquiatria clássica: de Krafft-Ebing herdou a perversão; de Kraepelin, a paranóia; retirou a idéia de neurose de Charcot e recusou a inovação de Bleuler ao criar o termo esquizofrenia. (BERCHERIE, 1989).
Cabe destacar também que partindo da definição de que os transtornos mentais são

“(...) síndromes ou padrões comportamentais ou psicológicos clinicamente importantes, que ocorrem no indivíduo e estão associados a sofrimento (p.ex.,sintoma doloroso) ou a incapacitação (p.ex. prejuízo em uma ou mais áreas importantes do funcionamento) ou a um risco significativamente aumentado de sofrimento, morte, dor, deficiência ou perda importante da liberdade. Além disso, essa síndrome ou padrão não deve constituir meramente uma resposta previsível e culturalmente aceita diante de determinado evento, por exemplo a morte de um ente querido. Qualquer que seja a causa original, a síndrome deve ser considerada no momento como manifestação de uma disfunção comportamental,psicológica ou biológica....” (KAPLAN & SADOCK, 2007, p. 325)

o DSM-IV constrói uma classificação eminentemente sindrômica e ateorética, já que considera exclusivamente os sintomas, independente de sua explicação etiológica. O diagnóstico sindrômico deveria apontar para algo mais profundo, ou seja, para aquilo que seria a doença de fundo, para o diagnóstico nosológico. No entanto, atualmente observa-se que este está cada vez mais voltado para as reações e comportamentos observáveis, deixando de lado seu caráter fenomenológico que envolve uma descrição metódica das patologias com intuito de elaborar uma intervenção mais consciente e que tenha efeitos menos imediatistas. A busca por uma psiquiatria baseada em evidências, que considera somente achados empíricos conseguidos mediante respostas positivas ou negativas à determinada medicação, destrói a possibilidade de emergência da sabedoria do sujeito acerca do seu próprio sintoma, isto é, o discurso científico como única fonte de saber inverte a finalidade do tratamento medicamentoso que passa a servir não só como apaziguador de sintomas patológicos, como também para a criação de novas doenças. Novas classificações são concebidas a partir da evolução de terapias químicas e farmacológicas, financiadas pela própria indústria farmacêutica. (QUINET, 2001)


O diagnóstico na medicina como um todo pode ser definido como:
“(...) processo cujo objetivo é o discernimento, o reconhecimento de determinada doença. Ele supõe uma preliminar: a existência de doenças nitidamente definidas. Em medicina, o processo epistemológico segue sempre a mesma progressão histórica: num primeiro estágio, a entidade mórbida emerge sob forma de um quadro descritivo, resultante da observação clínica. Num segundo estágio um substrato anatômico lhe é reconhecido. A descoberta do agente etiológico das lesões constitui o terceiro estágio. A entidade nosográfica está perfeitamente definida, quando munida dessas três dimensões. Apesar das diferenças essenciais que discernimos entre a sintomatologia psiquiátrica e a sintomatologia orgânica, nossos predecessores do último século não podiam deixar de seguir o mesmo procedimento, aplicado à doença mental.” (KAMMERER e WARTEL, 1989, p. 28).


Portanto, nota-se que, cada vez mais, a psiquiatria se aproxima da ciência médica e experimental, colocando em segundo plano tudo o que não se encaixa nesses parâmetros, inclusive informações trazidas pelo próprio sujeito. Logo, quem coordena e controla o tratamento é exclusivamente o psiquiatra.
Precisamente nesse ponto, entra a resistência psicanalítica que aponta aspectos de extrema relevância os quais vão além da descrição de fenômenos universais, pois incluem aquilo sobre o sujeito que extrapola as aparências por estar velado, só podendo ser acessado através da linguagem e de aspectos singulares do sujeito. Ao contrário das correntes psiquiátricas que primam pelo funcionalismo (disfunção), sem se importar com o aspecto da história de determinada enfermidade, a psicanálise considera que o indivíduo é capaz de se implicar nos seus próprios sintomas, o que possibilita ao analista encontrar-se com aquilo que há de novo em cada caso. Contudo, a psicanálise não se esquece da importância do diagnóstico e da influência da psiquiatria na construção de sua clínica, pode-se dizer que aquela tenta unir peculiaridades que podem ser encontradas em cada paciente à linguagem universal utilizada pelos profissionais que trabalham na área da Saúde Mental, o que difere é o uso que é feito dessa linguagem, pois a psicanálise tenta não se limitar ao mundo fenomenológico. Como bem disse Miller: “Claro que há sintomas típicos, porém mesmo que tenham a mesma forma, cada um deles é peculiar e particular porque, como assinala Lacan, o sentido do mesmo sintoma em diversos sujeitos é diferente.” (MILLER, J.A, 2006, p.30).

Há ainda, em oposição às internações hospitalares e ao tipo de procedimentos clínicos da psiquiatria tradicional utilizados com os pacientes, o Movimento Antimanicomial, também muito influenciado pela psicanálise, com o qual começaram a ocorrer mudanças, tanto na forma de compreender a doença mental como em seu tratamento. Com a saída dos pacientes dos manicômios e com a criação de serviços substitutivos (CERSAM’s, CAP’s e Ambulatórios), as variáveis que deveriam ser analisadas para a elaboração da terapêutica a ser seguida pelo paciente se multiplicaram. Assim, a psiquiatria perdeu o tal almejado domínio completo sobre seu objeto, tendo que lidar com situações inovadoras e impassíveis de controle.
O caso clínico descrito a seguir, acompanhado durante o estágio do Serviço de Psiquiatria do Ambulatório Bias Forte-Hospital de Clínicas-MG, busca esboçar justamente o tratamento de uma paciente nos moldes da Reforma Psiquiátrica, inclusive em um serviço onde não há internação. Considera ainda a influência da psicanálise no que concerne à reinvenção da clínica, na escuta do sujeito e na pluralização dos saberes, propiciando a construção de redes e o trabalho interdisciplinar.

Trata-se de A., uma paciente de 45 anos, que veio encaminhada para o Serviço de Psiquiatria do Hospital das Clínicas pelo Psicólogo com quem fazia tratamento há um mês. No encaminhamento dessa paciente havia duas hipóteses diagnósticas, segundo os critérios do CID-X: F32. 2-Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos e F33.2-Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave sem sintomas psicóticos. Contudo, essas classificações pouco diziam da paciente e sobre o motivo de sua procura pelo serviço.
O primeiro contato com A. foi bastante difícil, ela chegou ao Ambulatório extremamente nervosa e agressiva, a procura do profissional que iria atendê-la e dizendo que os funcionários a estavam destratando, faltando-lhe com respeito. Contudo, ao entrar no consultório a paciente desabou em lágrimas e começou a contar sua história, bastante sofrida e repleta de miséria.

Iniciou o relato pela história de seus quatro filhos. Contou que seu ex-marido os abandonou enquanto os filhos eram ainda bebês, nessa época, passou por sérias dificuldades financeiras. Em prantos, narrou a morte de um de seus filhos, devido á má nutrição. Ela disse: “Meu filho morreu de fome”(sic). Trata-se de um casal de gêmeos, contudo a menina, apesar de ter ficado em coma por um tempo, conseguiu sobreviver. Esta teve algumas seqüelas e, atualmente, está tendo problemas de aprendizagem. Após esse episódio, a paciente fez um juramento de que nunca mais perderia nenhum outro filho. Desde então, tornou-se uma mãe super-protetora, dedicando sua vida exclusivamente aos filhos. No entanto, a tragédia não termina aí, a filha sobrevivente foi vítima de abuso sexual, aos 10 anos, por um vizinho. Como sua mãe trabalhava o dia todo, ela e os irmãos ficavam em casa sozinhos. A. contou que se sente culpada até hoje, pois mesmo com sua promessa, não conseguiu manter os filhos seguros.

Ainda em relação à sua família, A. relatou que seu pai é um homem violento, com o qual não tem mais contato desde que a mãe faleceu, que abusava e maltratava a esposa: “Minha mãe tinha uma marca na perna que foi feita pelo leite quente que meu pai jogou nela. Ela teve três derrames, até ficar na cadeira de rodas e falecer, quatro anos atrás.” (sic). Além disso, disse que o pai tinha duas famílias que moravam em casas uma de frente para a outra, no mesmo terreno. Ambas as esposas sabiam do fato, contudo continuavam casadas com esse homem. A. comenta que ela e os irmãos achavam aquela situação estranha, mas ninguém falava nada com medo do pai. Sobre os homens de sua vida ela resume seu sentimento: “Odeio homem. Mataria três, meu ex marido, meu vizinho e meu pai.” (sic)

No momento da primeira entrevista, A. havia perdido seu emprego de faxineira há 8 meses.Tal situação a angustiava extremamente, pois além de precisar cuidar de seus filhos, a paciente encontra no trabalho um meio de sentir-se estimada. Assim, para essa paciente, o trabalho é uma questão central.
De acordo com o relato da paciente, ela já havia passado por alguns tratamentos psiquiátricos anteriormente, chegando a fazer uso de antidepressivos e ansiolíticos que, segundo ela, tiveram pouco efeito sobre seu quadro, já que atuaram somente no sentido de deixá-la mais calma. De acordo com TEIXEIRA (2007):

“O efeito de uma terapêutica depende de uma conjunção complexa de fatores que de longe ultrapassam as transformações físico-químicas que um medicamento produz no corpo de um paciente: elas percorrem um leque que se estende desde o sentido que tem, para determinado sujeito, estar fazendo uso de uma substância, passando pelo modo de relação transferencial que ele mantém com quem o prescreve, sem mencionar o tipo variável de expectativa que ele dirige aos demais participantes da equipe que dele se ocupa.” (TEIXEIRA, 2007, p.6)

Baseado nas particularidades de uma intervenção terapêutica e nas informações trazidas por A., decidimos adotar uma postura um pouco diferente, pois, ao invés da prescrição, talvez um pouco antecipada, de antidepressivos, optamos por escutar a demanda da paciente e por encaminhá-la para o Serviço de Assistência Social. Assim sendo, a instituição se coloca como parceira do sujeito:
“A instituição dá estrutura fixa à parceria do sujeito, à parceria criativa do sujeito. Isto é porque devemos pensar que o encaminhamento, a finalidade do tratamento é aquele que faz nascer um sujeito, um sujeito inédito.” (VIGANÓ, 2007)

A criação de uma rede, que se iniciou com o movimento do psicólogo da paciente, foi fundamental para seu tratamento, visto que, com o auxílio da Assistência Social, A. conseguiu um emprego numa casa de família na região Metropolitana de Belo Horizonte. Desde então, a paciente comenta que começou a sentir-se humana e apreciada: “Almoço e janto com eles na mesma mesa, chego até a ficar incomodada, meus outros patrões eram muito rígidos. Até de churrasco eu participo com eles. Somos todos iguais. Me sinto mais humana e valorizada” (sic).

Atualmente, voltou para BH onde está trabalhando numa casa de família. Começou também a fazer um curso de gastronomia, disponibilizado para os beneficiados pelo Programa Bolsa Família, no qual se formou há semanas atrás. A. disse que vai fazer outros cursos e terminar o Ensino Médio, pois através dos estudos e do trabalho sente-se importante e com forças para lutar por uma vida melhor: “Agora, estão chovendo ofertas de emprego, estou muito feliz.” (sic). A valorização que a paciente encontrou através do trabalho, repercutiu em vários outros aspectos de sua vida, inclusive em seus relacionamentos sociais, pois voltou a se interessar pela vida afetiva e sexual e a sair com amigos para dançar e se divertir, o que, segundo ela, fazia muita falta: “Eu sou muito nova e bonita. Tenho muito pra viver ainda, quero me divertir, estudar e ser alguém na vida.” (sic). Além disso, foi possível notar mudanças visíveis até mesmo na aparência da paciente que começou a se cuidar, andando muito bem arrumada, com as unhas decoradas e o cabelo penteado.

Logo, percebe-se que ao nos voltarmos para o que a paciente tinha a dizer, foi possível “criar o lugar do Outro que permite a palavra do paciente.” (VIGANÓ ,1999. apud TEIXEIRA,2007). Só então, A. conseguiu encontrar soluções menos dolorosas para seu sofrimento através de seu trabalho e dos estudos: “Agora eu sei que tenho meu valor.” (sic). Finalmente, conclui-se que
“A tarefa do psicanalista aí consiste (...) em oferecer ao sujeito uma possibilidade de tematizar, de ressignificar e elaborar sua ‘miséria’, até onde for possível, para tomar uma outra posição frente a toda essa desgraça cotidiana{...}.” (FIGUEIREDO apud ABREU, 2001,p.111).

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Disponível em: http://clinicapsmen.com

VIGANÓ, C.(1999). “A construção do caso clínico em Saúde Mental”. Curinga-Psicanálise e Saúde Mental. Belo Horizonte. EBP-MG, n.13, set. VIGANÓ, C.(2007). Trabalho em equipe na rede: A enfermeira e a instituição parceiraRevista Eletrônica
CliniCaps, v.1, n⁰3. Disponível em: http://clinicapsmen.com

 

 
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